Minha vida parte 2- Ano Novo

Scraps Animados

Hoje está começando um novo ano. 1964 ficou pra trás e, tomara queira Deus, 1965 seja melhor. Já faz mais de seis anos que o meu pai morreu e minha mãe não esquece. A gente percebe uma tristeza no seu semblante. A semana passada meu tio Jaime e o tio Dito estiveram aqui e ouvi a conversa deles. Parece que meu pai chegou a ter uma plantação de laranjas só para exportação. Não sei o que é isso, mas pelo jeito que falavam era muito importante. Minha mãe disse que a doença do meu pai consumiu todos os nossos bens. Deixa pra lá isso. Quero mesmo é saber do almoço que minha mãe vai fazer hoje. Vamos comer uma macarronada e frango assado recheado com farofa. Hum! Dá água na boca só de pensar.  Meus irmãos ainda estão dormindo. È que ontem ficamos acordados até mais de meia noite esperando a passagem de ano só para ouvirmos os apitos das fábricas que são acionados exatamente à meia noite em homenagem ao novo ano que se inicia. O apito que mais emociona é o da fábrica de louças, onde a minha mãe e minha irmã trabalham. A GM e a Rhodosá também apitam e o som é mais alto que a da fábrica de louças.

Entrada da antiga Fábrica de Louças Santo Eugênio Bonádio

A mãe acordou e já foi para o fogão. Ela adora um café bem quente, queimando a língua. Em casa todos nós acostumamos a tomar o café quente que ela faz. Acho que vou à casa do meu primo ver se ela quer brincar. Eu gosto de brincar com ele se bem que, temos brigado mais que brincado. No mês passado ele jogou um rolimã na minha cabeça que fez um corte enorme, mas já descontei. Meti uma lata de lança perfume na cabeça dele que fez um rasgão. Mas eu gosto dele e vou lá brincar. Alem do mais, minhas primas brincam juntas com a gente. Por falar em primas, estou triste porque elas vão morar em Mogi das Cruzes, na casa do meu tio Zé. É que a minha tia Andaliria desapareceu. Ninguém sabe dela. Minha mãe e meus tios procuram por toda parte e nada. Estão achando que ela foi para São Paulo. Eu acho que ela morreu de tanto beber.  Poxa, tomara que não, ela é tão legal. Lembro o dia que fomos buscar água na torneira e ela arrumou uma confusão danada. Uma mulher na fila começou a reclamar que ela estava demorando em encher as latas e então ela disse. –Ah é? Você não viu nada. Virou as latas cheias de água no chão e começou a enchê-las de novo. Quase saíram no tapa! A sorte é que as outras mulheres separaram.

Fico triste por elas, mas feliz porque pelo menos assim o meu tio para de encher o saco da minha mãe com essa conversa de me levar para viver com eles. -É que, ele diz, lá ela vai estudar, blá blá blá. Conversa mole! Eu estou estudando. Tá certo que eu repeti o segundo ano e até levei uns tabefes da professora Dinorá, ela me bateu com a régua. Mas esse ano eu passei e agora vou fazer o terceiro ano. Minha mãe não cansa de dizer que vou ter que terminar o primário nem que seja na marra. É vai ser na marra mesmo porque não gosto nem um pouco da escola. Ainda mais que tão falando que os militares é que vão tomar conta da escola. É essa conversa de revolução que não sei direito o quê é, mas parece não ser coisa boa, pois as pessoas não gostam de falar muito disso. Tão dizendo que todos terão que dar seus objetos de ouro para o governo. Não sei se é verdade. Minha irmã apareceu com um anel aqui em casa e tá escrito alguma coisa nele, parece que é: “Dei ouro para o bem do Brasil”¹. Não sei onde ela arrumou esse anel porque ouro ela não tem! 

Melhor eu ir brincar. Vou jogar um pouco de bola, rodar pião. Vou aproveitar que o Dito está dormindo e emprestar umas bolinhas de gude dele para poder disputar uma partida de triângulo com molecada. Meu irmão é bom pra caramba nesse jogo! Ele tem mais de 200 bolinhas sem ter comprado nenhuma! Ele nem vai notar.

Vou prá rua, afinal hoje é feriado e minha mãe não vai trabalhar e então não vou precisar lavar louça ou ficar tomando conta do Toninho nem limpar a casa. Hoje vou brincar o dia inteiro! Jogar bola, correr, rodar pião.

Viva o ano novo!

<sub>1. Minha irmã realmente não tinha ouro algum e o anel ela ganhou “doando” um dia de trabalho para o governo.

Mais fotos da fábrica onde minha irmã e mãe trabalharam. Todas as fotos  da fábrica foram gentilmente cedidas pela proprietária (Agatha) do site:http://www.angelfire.com/ab8/santoeugenio/index_pri_1.html/) a quem agradeço.</sub>

Secção de pintura onde minha irmã trabalhou por 9 anos

Vista da entrada da Fábrica de Louças Santo Eugênio Bonádio

Secção de encaixotamento onde minha mãe trabalhou por 13 anos


Link para a parte 1:lhttp://rabiscosdomane.blogspot.com/2010/11/minha-hstoria-parte-1-noite-de-natal.html